José Alberto Silva publica sua primeira obra aos 78 anos e desafia o silêncio sobre a história negra de Porto Alegre

Paula Martins • 10 de maio de 2025

José Alberto Silva publica sua primeira obra aos 78 anos e desafia o silêncio sobre a história negra de Porto Alegre

Livro que será lançado dia 26 de maio, no Plenarinho da Assembleia, tece memórias afetivas e coletivas dos territórios negros da Capital

José Alberto Silva: estreia madura na literatura. Crédito: Marcos Pereira Feijão


Almanaque de Flores, Beijos e Mentiras, que será lançado no dia 26 de maio, às 19h, no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, marca a estreia do escritor José Alberto Silva, aos 78 anos. Reunindo poesias, crônicas, cartas e homenagens, a obra atravessa o tempo e o espaço para tecer memórias afetivas e coletivas, sobre a Cidade de Porto Alegre — especialmente a partir de vivências nos territórios negros apagados da história oficial, como o Areal da Baronesa e a Colônia Africana.


A iniciativa é financiada com recursos da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), por meio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Estado da Cultura do RS. A realização é da Frente Negra Gaúcha, por meio do selo FNG Editorial, com idealização e coordenação editorial da produtora cultural, Silvia Abreu, curadoria de Camila Botelho e projeto gráfico assinado por Maria Helena dos Santos. 



O autor entrega ao público mais do que literatura: oferece testemunho e, sobretudo, reparação. Em um País que segue negligenciando a produção intelectual negra, o livro surge como um ato político e poético tardio — porém urgente.


“Lançar este livro é um ato de amor à comunidade negra, um resgate de vivências, dores e ideias que, embora muitas vezes não valorizadas, são compartilhadas por muitas pessoas. A obra reforça que não estamos sós e convida à união, ao respeito e ao trabalho coletivo”, afirma o autor, que escreveu por décadas sem publicar, colecionando textos que hoje encontram o mundo e ganham vida.


Uma voz que atravessa gerações

José Alberto cresceu entre rodas de conversa na casa da família, localizada na esquina da Lopo Gonçalves com a José Alfredo (antiga rua da Margem) — um verdadeiro ponto de encontro da comunidade negra. A residência, animada pela irmã Neura Regina (1946-2012), pianista concertista, era palco de festas, casamentos e debates políticos.

 

Em meio à história que via acontecer diante de si — como a articulação para a celebração do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro — ele começou a registrar cenas da vida, ainda na infância, escrevendo bilhetes, poemas e reflexões sempre que encontrava espaço, inclusive no banheiro, nas madrugadas, já que a casa cheia, com oito irmãos, não lhe permitia silêncio.

 

"Desde os sete, oito anos, escrevia como uma forma de organizar as ideias. Era meu jeito de existir."

 

Ao longo dos anos, acompanhou a transformação da cidade e o enfraquecimento da memória negra. Viu de perto a expulsão das famílias negras da Ilhota, território negro que vive, desde 1900, apagamentos e transformações da cidade, em nome da “modernização urbana”, o racismo travestido de cordialidade e a ausência quase total de pessoas negras nos espaços de poder.

 

“Aquele lugar era feito de encontros, de música e de reconciliações. Hoje, o nome mudou, a história sumiu — mas está aqui, nas minhas palavras.”

Literatura como testemunho e resistência

Com textos que mesclam lirismo, crítica social e oralidade, Almanaque de Flores, Beijos e Mentiras apresenta uma prosa visceral que transita entre o erótico e o espiritual, entre o cotidiano e o simbólico — surpreendendo pela liberdade estilística e pela densidade emocional. No prefácio do livro, Lucas Roxo, filósofo e professor, destaca que a poesia é para o autor a linguagem do encontro consigo mesmo, como expressa no poema “amiga secreta e perfumência ... Assinarei a confissão de que te amei a duras penas. Percebi, afinal, que a diferença entre o silêncio e a mensagem, ou entre a realidade e o sonho, é ela, perfumente, a Poesia!” 

 

Ao revisitar memórias, José Alberto homenageia familiares, amigos e lideranças negras que marcaram sua trajetória. Nestes momentos, a poesia se reveste de crítica social.

 

Em “novos capacetes ... despertam, à força, de um pesadelo lembrados de ancestrais. ... Com capacetes de ferro e pólvora rasgam suas fantasias de igualdade para jogar fogo aos racistas!”, e de memórias das dores do passado sentidas ainda hoje: “Quero vivo esse meu grito! ... Subi morros e desci sentindo dores que não vivi. ... Sinto dores ancestrais que não vivi.” 

 

A religiosidade é um fio condutor que atravessa a obra de José Alberto, revelando sua profunda conexão com o sagrado afro-brasileiro e a ancestralidade. Seus poemas dialogam com os orixás, buscam respostas no Orum e encontram luz mesmo nas encruzilhadas. 

 

Em Omolu, o poeta escreve: “Perguntei a Omolu (meu professor): que fazer do que me resta de Luz?”, e a resposta o conduz à humildade e ao serviço. Já em Hino à melodia, ele afirma com firmeza: “Com meu coração feito de aço, aos orixás ainda me igualo .... Já que o Orum é logo ali”. Essa espiritualidade não é recurso estilístico — ela pulsa como fundamento de existência, abrindo caminhos, protegendo memórias e iluminando sua escrita com axé.

 

A obra também convida à reflexão e à empatia. Em tom confessional e intimista, o autor se revela diante do leitor:

 

“Voltam à superfície da terra, desenterram-se com as próprias mãos os meus irmãos, parentes e amigos sepultados com raiva numa chuvosa mina de cominações.” — crônica “Café com Chuva”

 

“Não há alternativas fora da ideia de acreditar, que podemos iluminar o espírito do mundo a partir da chave de um ou de vários amores.” — poema “Acreditar”

 

O livro será utilizado em práticas de biblioterapia, rodas de conversa e projetos voltados ao público 60+, como forma de inspirar outras narrativas que permanecem invisibilizadas. “Quantas histórias daríamos conta de narrar se tivéssemos espaço para isso?”, provoca Camila Botelho, curadora da obra.

 

O material estará disponível em formato acessível, com versão em audiolivro em

www.frentenegragaucha.com.br. As sessões de biblioterapia contam com recursos de interpretação em Libras, ampliando o acesso ao conteúdo a pessoas surdas (mais informações no “Serviço”). As datas e os locais estão sendo divulgados no site www.frentenegragaucha.com.br.

Um almanaque que reflete a cidade

A estrutura de Almanaque de Flores, Beijos e Mentiras, com múltiplos gêneros — poesia, crônica, memória e homenagem — foi pensada como um verdadeiro “almanaque anárquico”, como define o autor. É um livro de resistência, lirismo e crítica social.

 

Inspirado por nomes como Oliveira Silveira (1941–2009)Paulo Ricardo Moraes, Jaime Silva, Cuti, Jorge Froes, Ronald Augusto, José Alberto tem como sua mais remota inspiração a mãe. O autor busca inspirar novas gerações a reconhecerem sua própria história e identidade.


“Minha mãe viveu 100 anos. Escrever é, também, fazer justiça a ela, à minha história, à nossa gente.”

 

Sobre o autor


José Alberto Silva nasceu em 12 de novembro de 1947, em Porto Alegre (RS). Carrega em sua trajetória os saberes herdados da oralitura familiar e da tradição negra gaúcha — elementos que alimentam sua escrita e sua atuação política.

 

Sua formação em negritude não veio das universidades, mas das vivências marcadas pelos bairros históricos do Areal da Baronesa e da Colônia Africana, dos terreiros, dos salões comunitários e da luta diante do olhar atento às ausências e apagamentos da história oficial.

 

É membro fundador da Frente Negra Gaúcha (FNG), entidade dedicada à promoção do negro gaúcho. É sócio remido da Sociedade Floresta Aurora, tradicional entidade negra da Capital, onde exerceu diferentes funções ao longo das décadas. Foi, também, membro fundador do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (Codene) e, atualmente, colabora como colunista do portal Litoralmania, do Correio Braziliense e é articulista da FNG.



FICHA TÉCNICA:



Título: Almanaque de Flores, Beijos e Mentiras (FNG Editorial)

Autoria: José Alberto Silva

Prefácio: Lucas C. Roxo

Pósfacio: Maria Cristina Ferreira dos Santos

Orelha: João Carlos Almeida dos Santos 

Obra de capa: Fernando Baril

Projeto gráfico, diagramação e capa: Maria Helena dos Santos

Revisão: Jésura Lopes Chaves

Produção editorial: Ideograf Gráfica e Editora Gaúcha

Planejamento cultural, coordenação editorial e gestão financeira: Silvia Mara Abreu

Pesquisa: José Alberto Santos da Silva

Curadoria/Bibliotecária: Camila Botelho Schuck

Audiodescrição: Mil Palavras

Intérprete de Libras: Vânia Rosa da Silva

Assessoria de Imprensa e Gestão de Redes Sociais: Paula Martins

Gestão Contábil: Marieri Gazen Braga

Fotografia: Marcos Pereira “Feijão” 

Realização: Frente Negra Gaúcha

Presidente: Vanessa Mulet

Ano de publicação: 2025

Número de páginas: 180

ISBN:  978-65-01-39761-0 

 

FINANCIAMENTO:


Esta obra foi realizada com recursos da Lei Complementar nº 195/2022, Lei Paulo Gustavo, por meio do Ministério da Cultura e da Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul.

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